Alimentação Recomendada na Hemocromatose

Consulta Padrão Diamante (CPD) + SRCEAAT + EAPD – Estado da Arte


1. Introdução

A alimentação é um dos pilares do manejo clínico da hemocromatose. Embora a terapêutica padrão inclua a flebotomia regular, a modulação dietética pode influenciar de forma significativa a absorção, biodisponibilidade e toxicidade do ferro. Este capítulo oferece orientações baseadas em evidências recentes e recomendações de sociedades médicas internacionais para reduzir a absorção de ferro, proteger os tecidos-alvo e otimizar a saúde geral do paciente.


2. Fundamentos Bioquímicos da Absorção de Ferro

  • Ferro heme (animal): alta biodisponibilidade (~20–35%)

  • Ferro não heme (vegetal): baixa biodisponibilidade (~2–20%), influenciada por inibidores e facilitadores dietéticos

Absorção é mediada por:

  • DMT1 (Divalent Metal Transporter 1)

  • Ferroportina

  • Hepcidina (hormônio inibidor da absorção intestinal)

Na HH, ocorre:

  • ↓ Hepcidina → ↑ absorção intestinal descontrolada

  • ↑ expressão de DMT1 → ↑ entrada de Fe²⁺ no enterócito


3. Alimentos Indicados (Protetores e Moduladores)

CategoriaExemplosMecanismo de Ação
Ricos em fitatosArroz integral, leguminosas, fareloInibem absorção de ferro não heme
PolifenóisChá verde, chá preto, café, cacauQuelam ferro e reduzem sua absorção intestinal
Cálcio e laticíniosLeite, iogurte, queijosCompetem com ferro pela absorção
ClorofilasVegetais verdes escurosEstabilizam ferro e reduzem absorção
Fibras solúveisAveia, chia, psylliumDiminuem a absorção intestinal global
Água rica em taninosChá mate, infusõesReduzem absorção do ferro por complexação

4. Alimentos Contraindicados (Aumentam Absorção ou Lesam Tecidos)

CategoriaExemplosRiscos
Carnes vermelhas e víscerasFígado, coração, rim, boiFonte rica de ferro heme biodisponível
Frutos do mar crusOstras, mariscosRisco de infecção por Vibrio vulnificus (letal em HH)
ÁlcoolVinho, cerveja, destiladosEstimula absorção de ferro e lesão hepática
Vitamina C em excessoSuplementação isolada >200 mg/diaAumenta absorção de ferro não heme
Doces industrializadosAçúcares refinadosEstresse oxidativo e inflamação hepática
Frituras, óleos oxidáveisMargarinas, óleos aquecidosLipoperoxidação intensificada

5. Estratégias Práticas

  • Consumir chá verde/café com as refeições principais

  • Evitar ingestão simultânea de carne + frutas cítricas

  • Priorizar refeições ricas em vegetais crus, fibras e grãos integrais

  • Evitar suplementos com ferro ou multivitamínicos contendo Fe

  • Utilizar panelas de vidro ou cerâmica (evitar ferro fundido ou inox se houver corrosão)

  • Manter boa hidratação intestinal para reduzir absorção e facilitar excreção


6. Suplementação com Cautela

NutrienteRecomendaçãoObservações
ZincoPode competir com ferro intestinalMonitorar zinco/cobre
SelênioAntioxidante e hepatoprotetorEm baixas doses
Vitamina ERedução de estresse oxidativoAssociar à dieta rica em lipídios bons
Omega 3Efeito anti-inflamatórioA partir de fontes vegetais ou peixes sem ferro heme
Probióticos e prebióticosEstabilizam microbiotaPodem reduzir permeabilidade intestinal

7. Orientações Baseadas em Diretrizes Internacionais

  • American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD)

  • European Association for the Study of the Liver (EASL)

  • Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH)

  • Hereditary Hemochromatosis International Guidelines


8. Referências Científicas Atualizadas

  • Andrews NC. Disorders of iron metabolism. N Engl J Med. 2022.

  • Brissot P, et al. Nutritional management of hereditary hemochromatosis. Liver Int. 2023.

  • Girelli D et al. Role of diet in modulating iron overload and complications. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2022.

  • Nairz M et al. Nutrition and iron homeostasis: From bench to bedside. Cell Metab. 2023.


9. Considerações Finais

A nutrição na hemocromatose não visa apenas reduzir o ferro absorvido, mas também minimizar o dano tecidual oxidativo, melhorar a qualidade de vida, prevenir complicações silenciosas e permitir um controle mais eficaz da doença quando integrada às terapias convencionais. Uma abordagem individualizada, educativa e supervisionada por profissional experiente é sempre recomendada.

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1 – Tabela: Alimentos a Evitar na Hemocromatose (com Motivo), em Ordem Decrescente de Teor de Ferro

 

AlimentoTeor de Ferro (mg/100g)Motivo ClínicoOrientação
Chocolate amargo (>80% cacau)11,9 mgAltíssimo teor de ferro não heme; risco de absorção aumentada com vitamina CEvitar totalmente
Fígado de frango9,0 mgAltíssimo teor de ferro heme (alta biodisponibilidade)Evitar totalmente
Semente de abóbora8,8 mgRico em ferro não heme; consumido em excesso pode acumularEvitar totalmente
Fígado bovino6,5 mgAltíssimo teor de ferro heme; absorção extremamente eficienteEvitar totalmente
Ostras cruas5,8 mgRiquíssimo em ferro heme; alta absorção intestinalEvitar totalmente
Mariscos (mexilhões cozidos)4,5 mgAlto teor de ferro hemeEvitar totalmente
Coração bovino cozido5,1 mgAlto teor de ferro hemeEvitar
Rim bovino cozido4,9 mgAlto teor de ferro hemeEvitar
Lentilha cozida3,3 mgRico em ferro não heme; risco aumentado em grandes porçõesEvitar ou usar com extrema moderação
Espinafre cozido3,6 mgAlto teor de ferro não heme; absorção aumenta com vitamina CEvitar ou usar com extrema moderação
Grão-de-bico cozido2,9 mgRico em ferro não heme; culturalmente consumido em excessoEvitar ou usar com extrema moderação
Sardinha enlatada em óleo2,9 mgFerro heme; absorção eficienteModerar muito
Feijão-preto cozido2,5 mgRico em ferro não heme; comum no consumo diário no BrasilEvitar ou usar com extrema moderação

Observações Rápidas:

Alimentos com ferro heme são prioritariamente evitados pela alta absorção.

Alimentos com ferro não heme (lentilha, espinafre, grão-de-bico, feijão) também devem ser limitados severamente, especialmente na fase de tratamento ativo.

O chocolate amargo e a semente de abóbora, frequentemente vistos como “saudáveis”, devem ser expressamente alertados como perigosos na HH.


Fontes Científicas Confirmatórias

  1. USDA FoodData Central 2024

  2. EASL Guidelines for Hemochromatosis 2022

  3. Brissot P, et al. Dietary Iron and Overload Disorders. Blood Rev. 2025

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