Articulações na Hemocromatose
1. Manifestações Clínicas
A artropatia da hemocromatose (AH) é uma manifestação altamente prevalente, dolorosa, progressiva e subdiagnosticada da sobrecarga férrica crônica. Pode anteceder ou coexistir com lesões viscerais, impactando significativamente a qualidade de vida e a capacidade funcional dos pacientes.
Principais sintomas:
Dor e rigidez matinal, predominantemente em mãos, punhos, joelhos e tornozelos
Início insidioso, geralmente bilateral e simétrico
Sensação de “estalidos” e bloqueios articulares
Edema e deformidades ósseas com o tempo
Redução de amplitude de movimento
Disfunção mecânica e prejuízo funcional
2. Fisiopatologia
A impregnação de ferro nas articulações promove alterações celulares e estruturais profundas:
Acúmulo de ferritina e hemossiderina no líquido sinovial e cartilagem
Estímulo à produção de radicais livres (•OH, H₂O₂) nas células sinoviais e condrocitos
Aumento da citotoxicidade oxidativa local
Ativação de metaloproteinases (MMPs), colagenases e agrecanases
Degeneração progressiva da cartilagem hialina
Sinovite crônica subclínica → fibrose capsular
Formação de osteófitos e calcificações periarticulares
3. Diagnóstico
Exames clínicos e de imagem:
Rx simples: esclerose subcondral, ganchos osteofíticos em metacarpos, calcificação sinovial
Ultrassonografia: sinovite discreta, osteófitos
Ressonância magnética: edema ósseo, erosões iniciais, hipersinal na sinóvia
Punção articular (rara): coloração marrom-avermelhada, alta ferritina no líquido sinovial
Laboratório: ferritina sérica elevada, TS > 45%, exclusão de artrites inflamatórias (FR, anti-CCP)
4. Tratamento
a) Controle da Sobrecarga Férrica
Flebotomias regulares: objetivo de ferritina < 50 ng/mL
Quelantes orais (em casos com contraindicações)
b) Manejo da Dor Articular
Analgésicos comuns (paracetamol)
AINEs com cautela
Corticoide intra-articular em casos selecionados
Fisioterapia motora com mobilização progressiva
c) Cirurgia Ortopédica
Artroplastias em casos de colapso funcional grave (punhos, quadris)
5. Possíveis Complicações
Artropatia deformante irreversível
Incapacidade funcional permanente
Anquilose parcial
Reações adversas a AINEs ou corticoides
Retardo de diagnóstico → progressão não tratada
6. Prognóstico
Com diagnóstico precoce e controle férrico eficaz:
Retardo ou paralisação da progressão articular
Melhora da dor e função em até 40–60% dos pacientes
Lesões estruturais já instaladas são pouco reversíveis
7. Histologia Macroscópica e Microscópica
Macroscopia:
Cartilagem de coloração escurecida
Presença de depósitos pigmentados na sinóvia
Fragmentação condral e irregularidades osteofíticas
Microscopia:
Condrócitos com depósitos férricos citoplasmáticos
Proliferação sinovial com infiltrado mononuclear
Fibrose capsular e deposição de colágeno anormal
8. Aspectos Psicológicos
Dor crônica e incapacidade funcional → ansiedade, frustração e retração social
Redução da autoestima devido a deformidades visíveis (especialmente em mãos)
Isolamento social progressivo em casos graves
Importância do apoio psicológico e tratamento integrativo, incluindo terapias de dor crônica e suporte emocional individualizado
9. Referências Científicas Atualizadas
Guggenbuhl P et al. Articular manifestations in hereditary hemochromatosis: a review. Joint Bone Spine. 2021.
Schumacher HR Jr. Hemochromatosis-associated arthropathy: mechanisms and management. Rheum Dis Clin North Am. 2022.
Totosy de Zepetnek J et al. Synovial iron deposition and oxidative damage in HH. Osteoarthritis Cartilage. 2023.
Reddy M et al. Radiographic patterns in HH arthropathy: a diagnostic clue. J Radiol Case Rep. 2023.
Wang Y, et al. Oxidative microenvironments in HH joints and degenerative risk. Free Radic Biol Med. 2022.