Hemocromatose Juvenil  – Tipo II

 

 Se caracteriza por:

ItemDescrição
Idade de Início LaboratorialAlterações laboratoriais (ferritina e saturação da transferrina elevadas) antes dos 18–20 anos.
Idade de Manifestações ClínicasSintomas graves (cardiomiopatia, hipogonadismo, diabetes, hepatomegalia) antes dos 30 anos, frequentemente entre 15 e 25 anos.
Fase Crítica de ProgressãoSem tratamento, muitos pacientes evoluem para cirrose ou insuficiência cardíaca ainda nos 20 e poucos anos.

 Resumo Didático

 

Faixa etáriaO que acontece no Tipo II
10–18 anosAlterações laboratoriais detectáveis (saturação da transferrina >85%, ferritina >1000 ng/mL).
14–25 anosInstalação de manifestações clínicas graves (cardiomiopatia, hipogonadismo, cirrose precoce).
Após 25 anos (sem tratamento)Alto risco de insuficiência cardíaca terminal, cirrose avançada, morte precoce.

 Portanto, a maioria dos pacientes Tipo II Juvenil inicia o processo de sobrecarga de ferro já na adolescência (antes dos 18 anos).
 Os sintomas clínicos severos geralmente se instalam entre 15 e 25 anos.


1. Definição e Classificação

A Hemocromatose Juvenil  – Tipo II é uma forma grave e precoce de hemocromatose hereditária, caracterizada por:

  • Alterações laboratoriais (elevação da saturação da transferrina e ferritina) já antes dos 18–20 anos de idade.

  • Manifestações clínicas graves surgindo predominantemente entre 15 e 25 anos.

  • Evolução acelerada para fibrose hepática, insuficiência cardíaca e disfunções endócrinas se não tratada precocemente.

Subtipos Genéticos:

 

SubtipoGene AfetadoLocalização CromossômicaHerançaPrincipal Defeito
Tipo 2AHJV (Hemojuvelina)1q21Autossômica recessivaDeficiência grave de hepcidina
Tipo 2BHAMP (Hepcidina)19q13Autossômica recessivaProdução nula de hepcidina

2. Fisiopatologia

  • A hepcidina é o regulador mestre da homeostase do ferro.

  • HJV e HAMP são fundamentais para a expressão e funcionalidade da hepcidina.

  • Mutações em HJV ou HAMP ➔ produção deficiente ou ausência de hepcidina ➔ absorção intestinal de ferro desenfreada ➔ depósito maciço nos órgãos vitais (fígado, coração, pâncreas, hipófise, pele).

Resumo Molecular:
“Deficiência total ou quase total de hepcidina” → absorção sem controleintoxicação férrica multissistêmica precoce.


3. Quadro Clínico Característico

 

ÓrgãoManifestações Típicas
CoraçãoCardiomiopatia dilatada grave, arritmias, insuficiência cardíaca ainda na adolescência ou início dos 20 anos
FígadoHepatomegalia, fibrose acelerada, cirrose precoce
Sistema EndócrinoHipogonadismo hipogonadotrófico (amenorreia, infertilidade, atrofia testicular)
MetabolismoDiabetes mellitus grave em jovens (15–25 anos)
PeleHiperpigmentação cutânea (“bronzeado precoce”)
Sistema musculoesqueléticoArtralgias, miopatia

 Sinais de Alerta Clínico

  • Insuficiência cardíaca ou cardiomiopatia em adolescentes ou jovens adultos.

  • Amenorreia primária ou secundária antes dos 20 anos.

  • Diabetes mellitus não autoimune antes dos 25 anos.

  • Cirrose diagnosticada em pacientes muito jovens (15–25 anos).

  • História familiar de doença hepática precoce.


4. Diagnóstico

a) Laboratorial

  • Ferritina > 1000–2000 ng/mL ainda na adolescência.

  • Saturação da transferrina > 85–90%.

  • Hormônios sexuais baixos (FSH, LH, testosterona ou estradiol).

  • Função hepática alterada (ALT, AST, GGT).

b) Imagem

  • RMN T2*: intensa deposição de ferro no fígado e no miocárdio.

  • Elastografia hepática: sinais precoces de fibrose já nos estágios iniciais.

c) Genético

  • Sequenciamento para mutações em HJV (mais frequente) e, se negativo, sequenciamento de HAMP.

  • Não detectado em painéis convencionais de hemocromatose HFE.


5. Protocolo Clínico de Identificação

  1. Adolescente ou jovem adulto (<25 anos) com ferritina > 1000 ng/mL e saturação da transferrina > 85%.

  2. Ausência de mutação em HFE (C282Y/H63D negativos).

  3. Sintomas sugestivos (cardiomiopatia, hipogonadismo, cirrose precoce).

  4. Teste genético dirigido para HJV (se negativo, testar HAMP).

  5. Avaliação cardíaca obrigatória (ECO e RMN T2*).

  6. Início imediato de flebotomias independentemente da confirmação genética, se forte suspeita.


6. Tratamento

  • Flebotomias intensivas:

    • Início precoce.

    • Sessões semanais ou mais frequentes conforme tolerância.

    • Meta: ferritina < 100 ng/mL.

    • Monitorização cardíaca constante.

  • Tratamento de insuficiência cardíaca:

    • Betabloqueadores, inibidores de ECA/ARB, diuréticos conforme necessidade.

  • Reposição hormonal:

    • Terapia de reposição para hipogonadismo hipogonadotrófico.

  • Controle metabólico:

    • Controle rigoroso da glicemia.

    • Rastreamento precoce para complicações diabéticas.

  • Quelantes de ferro:

    • Considerados em pacientes com contraindicação a flebotomia (por insuficiência cardíaca descompensada).


7. Prognóstico

 

SituaçãoPrognóstico
Diagnóstico e tratamento antes de fibrose/cardiopatiaBoa sobrevida
Diagnóstico após insuficiência cardíaca ou cirroseMau prognóstico, sobrevida reduzida

Nota Crítica: O diagnóstico antes dos 18–20 anos é o único fator capaz de normalizar a expectativa de vida desses pacientes.


8. Histologia Macroscópica e Microscópica

  • Macroscópica: Hepatomegalia com coloração marrom escura; cardiomegalia em casos avançados.

  • Microscópica:

    • Deposição intensa de hemossiderina hepatocelular (zonas 1 e 2).

    • Fibrose portal precoce.

    • Miocardiopatia ferropriva.


9. Aspectos Psicológicos

  • Forte impacto emocional do diagnóstico precoce.

  • Dificuldade de aceitação do tratamento intensivo em adolescentes.

  • Necessidade de suporte psicológico e aconselhamento genético para o paciente e familiares.

  • A qualidade de vida pode ser excelente se o tratamento é iniciado precocemente.


 Referências Científicas Recentes 

  1. Brissot P, et al. Juvenile hemochromatosis: Genetic basis and clinical management. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2024.
    https://www.nature.com/articles/s41575-024-00832-7

  2. EASL Clinical Practice Guidelines. Non-HFE Hereditary Hemochromatosis. J Hepatol. 2022.
    https://www.journal-of-hepatology.eu/article/S0168-8278(22)00184-9/fulltext

  3. Anderson GJ, Frazer DM. Iron overload disorders: New insights. Blood Rev. 2025.
    https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0268960X24000222

  4. Muckenthaler MU, et al. Molecular mechanisms of juvenile hemochromatosis. Blood. 2025.
    https://ashpublications.org/blood/article/145/10/1575/494221