Hemocromatose Tipo IV – Ferroportina (SLC40A1) 


1. Definição e Contexto Atualizado

A Hemocromatose Tipo IV, também chamada de Hemocromatose por mutação da Ferroportina, é uma forma autossômica dominante de sobrecarga de ferro, causada por mutações no gene SLC40A1, que codifica a proteína ferroportina.

Diferente das outras hemocromatoses, que cursam com sobrecarga predominantemente hepatocelular, no Tipo IV:

  • O ferro se acumula preferencialmente nos macrófagos (principalmente no baço e sistema reticuloendotelial).

  • Há formas divergentes dentro do Tipo IV, com comportamentos clínicos distintos.


2. Subtipos do Tipo IV

 Classificação  (2024–2025)

SubtipoNomeDefeito MolecularManifestação Predominante
Tipo IV-AFerroportina Clássica (“Doença da Ferroportina”)Redução na capacidade de exportar ferroAcúmulo em macrófagos, ferritina alta, saturação normal ou ligeiramente elevada
Tipo IV-BFerroportina Não-Responsiva à Hepcidina (“Hemocromatose Ferroportina-Like”)Resistência da ferroportina à hepcidinaSobrecarga hepática semelhante à HH clássica, saturação muito elevada

 Portanto, existem duas formas clinicamente distintas de Tipo IV, que devem ser diferenciadas.


3. Fisiopatologia Molecular

  • Ferroportina é a única proteína conhecida capaz de exportar ferro das células para o plasma.

  • A hepcidina regula a ferroportina:

    • Quando há excesso de ferro ➔ hepcidina se liga à ferroportina ➔ promove sua degradação ➔ bloqueia a saída de ferro.

No Tipo IV:

  • Tipo IV-A:

    • Mutação causa ferroportina defeituosa ➔ incapaz de exportar ferro ➔ acúmulo em macrófagos.

  • Tipo IV-B:

    • Mutação torna ferroportina resistente à hepcidina ➔ exporta ferro continuamente ➔ absorção exagerada de ferro intestinal ➔ sobrecarga hepatocelular grave.


4. Quadro Clínico Diferenciado por Subtipo

SubtipoManifestação ClínicaCaracterísticas LaboratoriaisÓrgãos Atingidos
IV-A (Clássica)Fadiga leve, esplenomegalia discreta, sem hepatopatia graveFerritina alta (>500–1500 ng/mL), saturação normal ou ligeiramente elevada (<50%)Baço, medula óssea, macrófagos hepáticos
IV-B (Resistente à Hepcidina)Evolução para cirrose, diabetes, hiperpigmentação cutâneaFerritina elevada (>1000 ng/mL), saturação alta (>70–90%)Fígado (hepatócitos), pâncreas, coração, pele

 Sinais de Alerta Clínico para Suspeitar de Tipo IV

  • Saturação de transferrina normal com ferritina elevada ➔ pensar em Tipo IV-A.

  • Saturação de transferrina muito alta com ferritina alta, mas teste genético HFE negativo ➔ considerar Tipo IV-B.


5. Diagnóstico

a) Laboratorial

  • Ferritina sérica elevada em todos os subtipos.

  • Saturação da transferrina:

    • Normal (Tipo IV-A).

    • Alta (Tipo IV-B).

  • Excluir mutações em HFE.

b) Genético

  • Sequenciamento do gene SLC40A1:

    • Detecção de variantes patogênicas ou provavelmente patogênicas.

Mutações conhecidas (exemplos atualizados):

  • p.A77D, p.N144H, p.V162del (associadas à resistência à hepcidina).

  • p.R178Q, p.Y64N (associadas à ferroportina defeituosa).

c) Imagem

  • Ressonância magnética com T2*:

    • Sobrecarrega o baço/médula óssea no Tipo IV-A.

    • Sobrecarrega o fígado/pâncreas no Tipo IV-B.


6. Protocolo Clínico de Investigação

  1. Ferritina elevada + saturação normal ou alta.

  2. Teste genético HFE negativo.

  3. Se saturação normal ➔ suspeitar Tipo IV-A; se alta ➔ suspeitar Tipo IV-B.

  4. Solicitar sequenciamento do SLC40A1.

  5. Avaliar função hepática, glicêmica, cardíaca conforme carga de ferro e órgãos acometidos.


7. Tratamento

SubtipoEstratégia
IV-AFlebotomias cautelosas para reduzir ferritina <300 ng/mL, sem causar anemia.
IV-BFlebotomias regulares como na HH clássica (meta ferritina <50–100 ng/mL), cuidado com sobrecarga hepática.

Notas Importantes:

  • No Tipo IV-A, excesso de flebotomia ➔ risco elevado de anemia.

  • Em casos refratários ou contraindicações ➔ considerar uso de quelantes de ferro (deferasirox, deferoxamina).


8. Prognóstico

SubtipoPrognóstico
IV-A (Clássica)Geralmente benigno com monitorização; vida normal com tratamento.
IV-B (Resistente)Prognóstico semelhante ao Tipo I HFE clássico; risco de cirrose, CHC se não tratado.

9. Aspectos Psicológicos

  • Dificuldade de entendimento por ser uma forma rara e não clássica.

  • A ansiedade é comum pela necessidade de monitorização vitalícia.

  • Suporte psicológico e educação médica são cruciais para adesão.


 Referências Científicas Recentes 

  1. Brissot P, et al. Ferroportin Disease and Hemochromatosis: New Insights. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2024.
    https://www.nature.com/articles/s41575-024-00856-x

  2. Anderson GJ, Frazer DM. Disorders of Iron Homeostasis: Ferroportin Mutations. Blood Rev. 2025.
    https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0268960X24000222

  3. EASL Guidelines on Rare Hemochromatosis Variants. J Hepatol. 2022.
    https://www.journal-of-hepatology.eu/article/S0168-8278(22)00184-9/fulltext

  4. Muckenthaler MU, et al. Molecular Biology of Iron Disorders. Blood. 2025.
    https://ashpublications.org/blood/article/145/10/1575/494221