1. Manifestações Clínicas

A pele é um dos primeiros tecidos a refletir as alterações sistêmicas da hemocromatose. A impregnação progressiva de ferro nos tecidos cutâneos e fâneros resulta em:

  • Hiperpigmentação cutânea (melanoferrose): coloração bronzeada ou cinza-ardósia, mais evidente em áreas expostas ao sol (face, pescoço, dorso das mãos), sulcos palmares e cicatrizes.

  • Pele ressecada, áspera, com tendência à descamação.

  • Alterações ungueais:

    • Fragilidade ungueal

    • Onicorrexis (estriação longitudinal)

    • Coloração acastanhada das unhas

  • Queda capilar difusa em casos avançados

  • Eczemas e dermatites atípicas, por desregulação imunocutânea


2. Fisiopatologia

A fisiopatologia cutânea na hemocromatose está intimamente relacionada à deposição de hemossiderina dérmica e ao estímulo da produção de melanina via ativação de melanócitos pela ferritina e pelo estresse oxidativo. Os mecanismos incluem:

  • Deposição de ferro em fibroblastos, mastócitos, glândulas e melanócitos dérmicos

  • Ativação do eixo melanogênico (via MITF-TYR) pela ferritina intracelular

  • Estímulo de inflamação crônica e alteração da barreira cutânea (IL-1, TNF-α)

  • Supressão da regeneração epidérmica por disfunção mitocondrial local

  • Desestabilização da microbiota cutânea


3. Diagnóstico

O diagnóstico das manifestações cutâneas é clínico, mas pode ser complementado por:

  • Dermatoscopia: revela depósitos pigmentares irregulares

  • Biópsia de pele: coloração com azul da Prússia evidencia ferro dérmico

  • Ressonância magnética cutânea (experimental): pode detectar sobrecarga focal


4. Tratamento

  • Flebotomia seriada: promove clareamento cutâneo em até 70% dos casos após 6 a 12 meses

  • Quelantes orais (ex: deferasirox): indicados quando a flebotomia é contraindicada

  • Fotoproteção rigorosa: reduz estímulo melanogênico

  • Dermocosméticos com antioxidantes: vitamina C, ácido ferúlico, niacinamida

  • Suporte nutricional: alimentos ricos em zinco, selênio e vitamina A

  • Terapias complementares: argilas, peelings suaves, hidratação profunda


5. Possíveis Complicações

  • Pigmentação permanente (se não tratada precocemente)

  • Dermatites refratárias e disbiose cutânea

  • Estigma estético e constrangimento social

  • Infecções cutâneas recorrentes (Staphylococcus aureus, dermatófitos)


6. Prognóstico

O prognóstico cutâneo está diretamente ligado à precocidade do tratamento da sobrecarga férrica. Em casos diagnosticados tardiamente, a reversibilidade é parcial. O comprometimento estético pode preceder complicações viscerais, servindo como marcador sentinela de toxicidade sistêmica.


7. Histologia Microscópica e Macroscópica

Macroscopia:

  • Pele bronzeada acinzentada, mais densa em áreas expostas

  • Hiperqueratose discreta em áreas submetidas à fricção crônica

Histologia:

  • Deposição granular de hemossiderina nos fibroblastos e derme reticular

  • Ativação de melanócitos basais

  • Focos de apoptose queratinocitária por estresse oxidativo

  • Infiltrado inflamatório crônico linfomononuclear perifolicular


8. IGDH – Índice de Gravidade das Doenças na Hemocromatose (Pele)

EstágioCaracterísticas ClínicasRisco Associado
0Pele normalSem risco
1Pigmentação leve, reversívelIndício inicial de impregnação férrica
2Pigmentação evidente + ressecamentoLesão subclínica tecidual
3Hiperpigmentação extensa + eczemaRisco de estigmatização social
4Alterações cutâneas permanentesIndicador de doença avançada e sobrecarga visceral

9. Aspectos Psicológicos

  • Autoimagem prejudicada, especialmente em mulheres e adultos jovens

  • Isolamento social e constrangimento em ambientes profissionais e sociais

  • Estigmatização por aparência associada a doenças graves

  • Melhora importante da autoestima com o clareamento cutâneo

  • Terapias complementares indicadas:

    • Florais de Bach para aceitação da imagem corporal

    • Aromaterapia com lavanda e camomila para equilíbrio emocional


Referências Atualizadas

  • Powell LW et al. Cutaneous manifestations of hereditary hemochromatosis. Clin Dermatol. 2022

  • Girelli D et al. Iron overload and skin pathology: molecular interactions. J Invest Dermatol. 2023

  • McLaren GD et al. Pigmentary changes in hereditary hemochromatosis: clinical indicators. Arch Dermatol. 2022

  • Santos M. Manifestações dermatológicas da hemocromatose: revisão sistemática. RBHH. 2021