
1. Manifestações Clínicas
O sistema nervoso pode ser impactado em diversos níveis na hemocromatose (HH), variando de sintomas leves e inespecíficos a complicações neurológicas significativas:
Fadiga crônica (frequente, mesmo em estágios iniciais)
Depressão, apatia, irritabilidade
Transtornos cognitivos leves a moderados (semelhança com deterioração neurodegenerativa)
Disfunções autonômicas (hipotensão postural, constipação)
Neuropatias periféricas (em estágios mais avançados ou com comorbidades)
Raramente: parkinsonismo, ataxia, tremores finos
2. Fisiopatologia
O ferro atua diretamente como agente neurotóxico:
Acúmulo cerebral em estruturas como hipotálamo, tálamo, substância negra e hipófise
Geração de espécies reativas de oxigênio (ERO) e peroxidação lipídica
Disfunção mitocondrial e ativação da ferroptose
Inflamação neuroglial crônica (ativando microglia e astrócitos)
Desregulação de neurotransmissores como dopamina e serotonina
Comprometimento da barreira hematoencefálica em estágios mais avançados
3. Diagnóstico
Ressonância magnética cerebral com técnicas sensíveis a ferro (SWI, T2*)
Avaliação neuropsicológica formal
Escalas de fadiga e humor (ex: FSS, BDI-II)
Exclusão de comorbidades (hipotireoidismo, B12, intoxicações)
Análise de perfil metabólico (glicose, insulina, perfil lipídico)
4. Tratamento
Controle rigoroso da ferritina (flebotomias sequenciais)
Apoio neuropsiquiátrico: antidepressivos, psicoterapia, suporte ocupacional
Suplementação de vitaminas neuroprotetoras (B12, D3, coenzima Q10)
Dieta neuroprotetora antioxidante (ricos em polifenóis, ômega-3)
Em casos severos: uso criterioso de quelantes com monitoramento cognitivo
5. Possíveis Complicações
Deterioração progressiva da cognição se não tratada
Maior risco de depressão resistente, isolamento social
Perda da autonomia funcional em estágios finais
Associação com neurodegeneração acelerada (hipótese ainda em estudo)
6. Prognóstico
Bom em casos com diagnóstico precoce e controle da ferritina.
Reversão parcial dos sintomas cognitivos e de humor após tratamento adequado
Prognóstico reservado quando há comprometimento estrutural neuroimagem
7. Histologia Microscópica e Macroscópica
Macroscópica: cor cinza-amarronzada de regiões profundas (ex: substância negra)
Microscópica: inclusões de hemossiderina em astrócitos e neurônios, ativação microglial, edema perivascular discreto
8. IGDH – Índice de Gravidade das Doenças na Hemocromatose (SNC)
Grau | Quadro Clínico | Prevalência Estimada |
---|---|---|
Grau 1 | Fadiga leve, discreta astenia | 50% dos pacientes |
Grau 2 | Depressão leve, insônia, ansiedade | 30% |
Grau 3 | Comprometimento cognitivo leve, apatia funcional | 15% |
Grau 4 | Quadro depressivo grave, perda de autonomia | 3% a 5% |
Grau 5 | Demência secundária à sobrecarga férrica cerebral | Raro (<1%) |
9. Aspectos Psicológicos
Fadiga e depressão são sintomas frequentes e desvalorizados
Prejuízo na autoestima e relações interpessoais
Sentimento de incapacidade funcional progressiva
Necessário suporte psicoterapêutico e abordagem empática
Pode haver retração social com perda da produtividade e isolamento
Referências Científicas Recentes
Pradat PF et al. Neurological manifestations in hereditary hemochromatosis. J Neurol Sci. 2022.
Girelli D, Piperno A. Cognitive and mood disorders in HH: underestimated and underdiagnosed. Hematol Rev. 2023.
Zecca L et al. Iron and neurodegeneration: from molecular mechanisms to therapeutic strategies. Nat Rev Neurosci. 2021.