1. Manifestações Clínicas

  • Proteinúria leve a moderada em fases iniciais

  • Hematúria microscópica intermitente

  • Síndrome tubular proximal (tipo Fanconi-like): aminoacidúria, fosfatúria, glicosúria sem hiperglicemia

  • Diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG) progressiva

  • Nefrocalcinose e nefrolitíase associadas a estresse oxidativo renal

  • Em casos avançados: Insuficiência Renal Crônica (IRC) associada à deposição férrica cortical e medular


2. Fisiopatologia

A hemocromatose promove acúmulo de ferro livre (NTBI) na circulação, que atinge o epitélio tubular renal por difusão passiva e por canais DMT1.

a) Mecanismos diretos:

  • Deposição de ferro no epitélio tubular e células intersticiais → necrose tubular aguda subclínica

  • Reações de Fenton → estresse oxidativo, peroxidação lipídica e lesão de proteínas estruturais

  • Ativação de inflamação local (NF-κB, IL-1β) → fibrose intersticial

b) Mecanismos indiretos:

  • Dano vascular (artérias interlobares, arteriolas aferentes) por disfunção endotelial férrica

  • Comprometimento mitocondrial tubular com queda da produção de ATP

  • Disfunção da EPO renal em fases tardias, agravando a anemia


3. Diagnóstico

  • Exames laboratoriais básicos:

    • Urina tipo I: proteinúria, hematúria, cristais

    • Proteinúria quantitativa de 24h

    • Dosagem sérica de creatinina, ureia, e TFG (CKD-EPI)

  • Exames avançados:

    • Ferritina urinária: marcador precoce de lesão tubular férrica

    • RM com mapeamento de susceptibilidade magnética para detecção de ferro renal

    • Biópsia renal com coloração por Perls (em casos de etiologia obscura)


4. Tratamento

  • Redução da sobrecarga de ferro sistêmica:

    • Flebotomias seriadas em pacientes sem anemia associada

    • Quelantes (ex: deferasirox) em pacientes com anemia, IRC ou contraindicação à flebotomia

  • Controle da pressão arterial com IECA ou BRA, visando nefroproteção

  • Evitar nefrotóxicos (AINEs, contraste iodado, aminoglicosídeos)

  • Suplementação antioxidante personalizada: vitamina E, N-acetilcisteína

  • Monitoramento renal contínuo: TFG e microalbuminúria semestral


5. Possíveis Complicações

  • Progressão para Doença Renal Crônica (DRC) irreversível

  • Acidose tubular renal tipo 2

  • Anemia resistente ao ferro, refratária ao tratamento oral

  • Hipovitaminose D por perda tubular de calcidiol

  • Calcificação metastática renal em casos graves


6. Prognóstico

  • Excelente quando o diagnóstico e tratamento ocorrem precocemente (estágio 1–2 da DRC)

  • Reservado em casos com TFG < 30 mL/min/1,73m² associada a ferritina > 2000 ng/mL

  • Melhora clínica significativa com flebotomia precoce, reversão parcial do quadro tubular


7. Histologia Microscópica e Macroscópica

a) Macroscopia:

  • Rim de volume normal ou ligeiramente diminuído

  • Cor castanho-escura por impregnação férrica

b) Microscopia:

  • Depósitos de ferro granular azulados em túbulos e interstício (coloração de Perls)

  • Edema e apoptose epitelial tubular

  • Esclerose glomerular focal e segmentar em fases tardias

  • Atrofia tubular com fibrose intersticial associada


8. Índice de Gravidade das Doenças na Hemocromatose (IGDH)

EstágioAchados RenaisRisco Clínico
0Ausência de alteração urináriaNenhum
1Proteinúria < 150 mg/diaBaixo risco
2TFG entre 60–89 mL/minModerado
3TFG entre 30–59 mL/min, ferritina > 1000 ng/mLAlto
4TFG < 30 mL/min com sinais de IRC e necessidade de quelantesMuito alto

9. Aspectos Psicológicos

  • Pacientes com perda progressiva da função renal podem apresentar:

    • Ansiedade antecipatória diante da possibilidade de diálise

    • Fadiga e alterações cognitivas associadas à anemia e uremia leve

    • Depressão situacional em fases avançadas

  • Abordagens integrativas úteis:

    • Aconselhamento psicológico e grupos de apoio

    • Fitoterapia renal protetora e terapias florais (Florais de Bach: Crab Apple, Olive, Elm)

    • Meditação guiada e biofeedback em pacientes com hipertensão renal associada


Referências Científicas Atualizadas

  • Nairz M et al. Iron and Kidney: Friend or Foe? Nephrol Dial Transplant. 2023.

  • Frazer DM, Anderson GJ. Renal handling of iron: Mechanisms and consequences. Nat Rev Nephrol. 2021.

  • Finkelstein FO, et al. Inflammation, oxidative stress and anemia in CKD patients. Kidney Int Suppl. 2022.

  • Locatelli F, et al. Iron toxicity in CKD: Clinical implications and perspectives. J Nephrol. 2023.

  • KDIGO Guidelines 2022. Iron Management in CKD Patients.