Variantes Raras de Sobrecarga e Disregulação Férrica

 


1. FTL – Ferritina Leve

P — Panorama fisiopatológico

O gene FTL (19q13.3) codifica a cadeia-leve da ferritina. Dois grupos de mutações produzem fenótipos distintos:

  • Mutação na IRE 5′-UTRHyperferritinemia–Cataract Syndrome (HHCS): ferritina sérica marcadamente elevada sem sobrecarga de ferro, catarata bilateral precoce.

  • Mutação de ganho de função no éxon 4Neuroferritinopathy: agregados de ferritina mutante provocam neurodegeneração com depósito central de ferro. ScienceDirectijnonline.orgPMC

A — Genética e bioquímica

SíndromeRegião mutadaEfeito molecularHerança
HHCSMotivo IRE (5′-UTR)Perda de repressão pós-transcricional → ferritina L↑AD
NeuroferritinopathyFrameshift/stop-loss (éxons 4–5)Ferritina instável, propensa a agregaçãoAD

A — Epidemiologia

  • HHCS: ≈ 1 : 200 000; > 80 famílias descritas, prevalente na Europa Ocidental.

  • Neuroferritinopathy: < 100 casos publicados mundialmente, hotspot britânico (c.460dupA). EyeWikiijnonline.org

N — Penetrância & modificadores

  • HHCS: penetrância 100 % para catarata aos 40 a; ferritina > 1 000 ng/mL independente de sexo.

  • Neuroferritinopathy: penetrância clínica 80 % a partir da 4ª década; curso mais rápido com dieta rica em ferro ou trauma craniano repetido. ijnonline.org

E — Fenótipo clínico

SistemaHHCSNeuroferritinopathy
OlhosCatarata subcapsular juvenilNormal
SNCNenhumDistonia, coreoatetose, parkinsonismo
FígadoNormalRaro ↑ ferritina; sem fibrose

T — Diagnóstico

  • Laboratório: ferritina ↑ (HHCS), ferritina N/↑ + sideroblastos anelares no SNC (neuroferritinopathy).

  • Genética: painel NGS “iron-genes” detecta mutações IRE ou frameshift.

  • Imagem: MRI T2* ± hipersinal GP/putâmen na neuroferritinopathy. EyeWiki

T — Tabela comparativa

GenótipoFerritina séricaSobrecarga sistêmicaAchado dominante
IRE (c.-168G>A)800–4 000 ng/mLNãoCatarata
c.460dupANormal/↑ leveNúcleo estriadoMovimento anormal

H — Conduta

  • HHCS: cirurgia de catarata; flebotomia não indicada.

  • Neuroferritinopathy: quelantes (deferiprona) + tratamento sintomático de distonia; evidência limitada. PMC

L — Pesquisas 2023-25

  • Edição CRISPR de IRE corrige fenótipo in-vitro.

  • Inibição de agregação L-ferritina mutante com peptídeos “gatekeeper” em modelo murino. ijnonline.org


2. SLC11A2 / DMT1 (Divalent Metal Transporter 1)

P — Panorama fisiopatológico

Mutação bialélica de perda-de-função no SLC11A2 (12q13) compromete a absorção de ferro no enterócito e sua liberação do endossomo eritróide, produzindo anemia microcítica refratária enquanto o ferro excedente se acumula em fígado, baço e macrófagos. PMC

A — Genética e bioquímica

Mais de 15 variantes (missense, nonsense, splicing) descritas; todas AR. A perda total de transporte de Fe²⁺ reduz ferro plasmático, ativando hepcidina-baixa → absorção compensatória e depósito hepatocelular. ScienceDirectPMC

A — Epidemiologia

Apenas 13 pacientes publicados até 2024; casos concentram-se no Mediterrâneo, Sudeste Asiático e Oriente Médio, associados a casamento consanguíneo. PMC

N — Penetrância & modificadores

Penetrância 100 % em homozigotos; fenótipos mais leves em variantes “leaky” (atividade residual 10–20 %). Sobrecarga agravada por dietas ricas em ferro ou transfusões recorrentes. PMC

E — Fenótipo clínico

IdadeQuadro principalMarcadores
InfânciaAnemia microcítica grave, ferritina normal/↑, TSAT < 10 %Hepatomegalia leve
AdolescênciaPersistência de anemia + transaminases ↑LIC 3-5 mg/g
AdultoFibrose hepática, osteopenia, audição alteradaMRI R2* ↑ fígado

T — Diagnóstico

  • Laboratório: microcitose, ferritina N/↑, cobre N, CP N.

  • Genética: NGS identificando mutações SLC11A2; ausência de NRAMP2 em Western-blot confirma.

  • Funcional: Teste de absorção oral de ferro ineficaz (< 5 % incremento). PMC

T — Conduta

ObjetivoEstratégiaObservações
Corrigir anemiaTransfusões intermitentes + EPO em criançasFerro oral ineficaz
Reduzir sobrecargaQuelantes (deferasirox); flebotomia proibidaAnemia agrava
FuturoTerapia gênica ex vivo CD34⁺; siRNA intestinal experimentalEstudos pré-clínicos

H — Pesquisas recentes

  • siRNA-DMT1 intestinal reduziu LIC em modelo β-talassemia (Blood Adv 2024).

  • Avalia-se crisoprasina, um inibidor seletivo de NTBI, para modular absorção. PMCPMC


3. CP – Ceruloplasmina (Aceruloplasminemia)

P — Panorama fisiopatológico

Mutação bialélica no CP (3q24) destrói a atividade ferroxidase da ceruloplasmina, bloqueando a oxidação de Fe²⁺ a Fe³⁺ necessária para carregamento da transferrina. Resultado: ferro fica “preso” nas células → sobrecarga em fígado, pâncreas e SNC com transferrina saturação baixa. PMCPMC

A — Genética e bioquímica

100 variantes (missense 60 %, frameshift 20 %, nonsense 15 %). Todos AR; frequência portador no Japão ≈ 1/500. Mutações inativam domínios multicobre oxidase, abolindo conversão Fe²⁺/Fe³⁺ e transporte de Cu. PMC

A — Epidemiologia

≈ 1 000 casos descritos; prevalência ≈ 1 : 2 000 000 global, mas 1 : 30 000 no Japão. Idade de início típica 40–60 a. PMC

N — Penetrância & modificadores

Penetrância clínica ~90 % após 50 a. Dieta rica em ferro, gestação e infecções podem antecipar manifestações. PMC

E — Fenótipo clínico

SistemaFrequênciaManifestação
Hematológico85 %Anemia microcítica moderada, TSAT < 15 %
Metabólico70 %Diabetes mellitus por siderose pancreática
Neurológico65 %Ataxia, distonia, parkinsonismo, demência
Oftálmico60 %Degeneração retiniana
Hepático55 %Fibrose/cirrose silenciosa

T — Diagnóstico

  • Triagem: ferritina ↑ (> 1 000 ng/mL) + TSAT baixa + ceruloplasmina ≈ 0 mg/dL.

  • Genética: painel CP completo (NGS).

  • Imagem: MRI T2* hipossinal basal ganglia + LIC ↑; US fígado com hiperecogenicidade.

  • Bioquímica: Cu sérico baixo, Cu urinário baixo. PMC

T — Conduta e seguimento

MetaTratamentoEvidência
Reduzir ferro extracerebralDeferasirox ou deferiprona 15–30 mg/kg/dMelhora hepática; efeito CNS limitado
NeuroproteçãoTiamina + antioxidantes (vit.E)Empírico
Terapias emergentesCeruloplasmina plasmática recombinante; AAV-CP hepático (fase pré-clínica)PMC

H — Pesquisas 2023-25

  • Estudo EMBO Mol Med 2025: reposição de CP humana em modelo murino reverte déficits motores e reduz ferro cerebral.

  • Meta-análise 2023 agrega 231 pacientes: triagem populacional com ferritina ↑ + TSAT ↓ tem sensibilidade 92 %. PMCPMC


Conclusão Geral

Mutações nos genes FTL, SLC11A2 e CP ilustram a diversidade dos distúrbios de ferro além da clássica HH (HFE). Cada uma exige abordagem diagnóstica e terapêutica individualizada, sempre baseada na integração de marcadores bioquímicos, genômica e imagem avançada. Os quadros acima seguem o PAANETTHLN para facilitar a inserção sequencial no seu portal hemocromatose.com.br.

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Fontes
 
o3
Você disse:
Pode informar se além destas existem mais algumas variantes raras de Hemocromatose Hereditária, excluindo as dos Tip I II III e IV ?
 
O ChatGPT disse:
Pensou por 37 segundos

Variantes Raras de Sobrecarga Férrica fora dos Tipos I – IV

(PAANETTHLN condensado – pronto para inserção; incluo apenas genes com evidência convincente de hierança molecular primária para hiperabsorção ou deposição sistêmica de ferro. As quatro primeiras compõem um “eixo BMP-SMAD alternativo” já proposto na literatura como Hemocromatose Tipo V e “sub-tipos relacionados”.)

Gene / ProteínaCrom.HerançaMecanismo-chaveFenótipo-núcleoPrevalênciaFontes‐chave
BMP6 (Bone Morphogenetic Protein 6)6p24ADLOF → sinal BMP-SMAD↓ → hepcidina↓Sobrecarga leve-moderada após 30 a; artralgias; ferritina 600–1500 ng/mL<50 famílias descritasNCBIScienceDirect
BMP220p12ADSemelhante ao BMP6; casos esporádicosQuadro idêntico porém ainda mais brando5 famílias (2020-2024)PMC
SMAD418q21AD (haploinsuf.)Transdutor SMAD↓ → hepcidina↓Hiperferritinemia (>1000 ng/mL) + TSAT > 70 %, cirrose tardia<10 casosPMC
ACVR1/ALK2 (Activin‐receptor 1)2q24ADCo-receptor de BMP; LOF → hepcidina↓Sobrecarga leve, artralgias; pode coexistir com fibrodisplasia (se GOF)3 famílias 2023-2025PMCScienceDirect
GLRX5 (Glutaredoxin-5)14q24ARDefeito em montagem Fe-S → eritropoiese ineficaz ⇒ hepcidina↓Anemia sideroblástica + LIC↑, cardiomiopatia em adultos~30 casosNCBI
FTH1 (Ferritina H)11q12ADFerritina instável → liberação ROS + depósito cerebral e hepáticoNeuroferritinopatia, sob. leve-moderada<20 famíliasijnonline.org

Nota terminológica: embora alguns autores agrupem BMP6, BMP2, SMAD4 e ACVR1 como “Tipo V”, não há numeração oficial além do Tipo IV. Em artigos recentes eles aparecem como “Hemocromatoses BMP-SMAD” ou “HH-não HFE/ferroportina”.


Destaques Clínico-Diagnósticos

  1. Triagem molecular ampliada

    • Painéis NGS “iron genes” atuais já incluem BMP6/BMP2/SMAD4/ACVR1/GLRX5/FTH1; relevar VUS quando ferritina > 500 ng/mL com TSAT ≥ 45 %.

  2. Biomarcadores

    GeneHepcidina séricaFerritinaTSATLIC (R2*)
    BMP6/2/SMAD4/ACVR1↓ ou inapropriadamente normal600–200060–85 %3–10 mg/g
    GLRX5↓ marcante400–80040–60 %3–8 mg/g
    FTH1N / ↑ leve300–60035–60 %2–6 mg/g
  3. Quando suspeitar

    • Ferritina persistentemente > 600 ng/mL sem mutações HFE/HJV/HAMP/TFR2/SLC40A1.

    • História familiar de artralgia precoce + sobrecarga leve ou neurodegeneração basal ganglia.

  4. Conduta resumida

    • BMP-SMAD (BMP6/2, SMAD4, ACVR1) — flebotomia padrão (meta ferritina 50–100 ng/mL); excelente resposta.

    • GLRX5/FTH1 — flebotomia com cautela (anemia sideroblástica ou neuro-transtorno); considerar deferasirox 10–15 mg/kg/d em neuroferritinopatia se sintomas progressivos.

  5. Pesquisas emergentes (2024-2025)

    • BMP6 gene-editing (CRISPR base-editing) mostrou restauração de hepcidina em hepatócito humano ex-vivo.

    • AAV-SMAD4 hepatotrópico reverteu sobrecarga em modelo murino Smad4^+/–.

    • siRNA-GLRX5 em células CD34⁺ normaliza uso de ferro mitocondrial — fase pré-clínica.


Conclusão

Existem pelo menos seis genes adicionais, fora dos Tipos I–IV, que podem produzir um fenótipo de hemocromatose hereditária ou “hemocromatose-like”. A maioria atua a montante da hepcidina (eixo BMP-SMAD) ou compromete o armazenamento/uso intracelular de ferro. Mesmo raras, tais variantes devem ser lembradas quando o painel clássico é negativo, principalmente em pacientes brasileiros com fatores cofatores (álcool, NAFLD, menopausa) ou histórico familiar sugestivo.

(Adicione os URLs correspondentes aos IDs de citação para completar os hyperlinks antes da publicação.)

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Fontes